Você está aqui: FoRC » Notícias » O sistema de classificação NOVA sob o prisma da Engenharia e Ciência de Alimentos

O sistema de classificação NOVA sob o prisma da Engenharia e Ciência de Alimentos

Por Eduardo - Pesquisa

Última atualização em 20/10/2020

Rodrigo Rodrigues Petrus (1), Paulo José do Amaral Sobral (1,3), Carmen Cecília Tadini (2,3) e Cintia Bernardo Gonçalves (1)

1 Departamento de Engenharia de Alimentos da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo – Pirassununga/SP.
2 Departamento de Engenharia Química da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo – São Paulo/SP.
3 Food Research Center (FoRC), Universidade de São Paulo.


Introdução

Alimentos (sólidos ou líquidos) processados fazem parte da dieta humana desde os primórdios da humanidade [1]. De acordo com o antropólogo-biólogo da Universidade de Harvard, Richard Wrangham, o processamento de alimentos foi criado há cerca de 2 milhões de anos, por um ancestral que descobriu o cozimento, a mais original forma de processamento. Posteriormente e ainda na pré-história, outros métodos surgiram, como a fermentação, secagem e salga, permitindo que grupos e comunidades se formassem e sobrevivessem. Evidencia-se que o homem aprendeu primeiro a cozinhar os alimentos, e então a transformá-los, preservá-los e armazená-los com segurança. Na Grécia antiga, os três alimentos mais importantes eram o pão, o azeite e o vinho (todos processados). O processamento transformava matérias-primas perecíveis, não palatáveis ou dificilmente comestíveis, em alimentos nutritivos, seguros, estáveis e agradáveis ao paladar [2].

Os brasileiros orgulham-se de serem grandes produtores e fornecedores de alimentos para o planeta. Entretanto, alguns grupos de alimentos produzidos em abundância não seriam consumidos pelo homem se não fossem processados, como soja, café, cacau, cevada, trigo etc. Embora o consumidor usufrua dos benefícios proporcionados pelo processamento, há uma visão difusa de que o custo para a sociedade é muito alto, culminando com percepções negativas sobre alimentos processados. Tais impressões podem ser explicadas por vários fatores, tais como: limitado nível de conhecimento técnico e científico, rotulagem difícil de ser compreendida, distorções publicitárias e frequentes fake news impulsionadas nas redes sociais, valendo-se de controvérsias relacionadas ao emprego de aditivos e ingredientes alimentares. Outros fatores que contribuem para o surgimento de percepções negativas sobre alimentos processados incluem o aumento de obesidade em muitos países e certa preocupação relacionada com ingredientes específicos (particularmente sal), que podem contribuir para a propagação de doenças provocadas pela má nutrição [2]. A Engenharia e a Ciência de Alimentos reconhecem este fato. Todavia, é preciso evitar alarmismo e sensacionalismo concernentes à alimentação.

Na última década, o consumo de alimentos industrializados (mais popularmente denominados processados) tem sido sistematicamente criticado, como se todo alimento produzido na indústria fosse destituído de nutrientes e como se tudo que preparamos artesanalmente ou em nossas casas fosse rico nutricionalmente e seguro para o consumo, o que não condiz com a realidade. Na tentativa de conferir conotação pejorativa aos alimentos industrializados, observa-se o surgimento de conceitos conflitantes, com destaque para os “ultraprocessados”, considerado equivocado e impreciso por estes autores e mesmo por outros especialistas das áreas de Ciência e Tecnologia de Alimentos e de Nutrição [1,3]. O termo “ultraprocessado” foi incorporado em alguns círculos da Nutrição e adotado pela imprensa, sempre com uma conotação muito negativa, embora nem sempre clara para quem o utiliza, pois, ao mesmo tempo, tem gerado muita confusão entre os consumidores e até mesmo no setor industrial, uma vez que sua interpretação é controversa [1]. O prefixo “ultra” remete àquilo que é intenso, excessivo, o que não necessariamente seria um problema. Todavia, em sua origem, o termo se refere a formulações que frequentemente possuem mais que cinco ingredientes, o que é comum, não apenas na indústria, mas inclusive em produções artesanais e na prática culinária. Sistemas de classificação de alimentos com base em seu grau de processamento existem em diversos países, como o IARC-EPIC (europeu), os sistemas IFIC e UNC (Estados Unidos), o NIPH (México), o IFPRI (Guatemala), o NOVA (Brasil) e o SIGA (França), sendo que esses dois últimos classificam um determinado grupo de alimentos como “ultraprocessados” [1]. Em que pese a importância do Guia Alimentar para a População Brasileira no incentivo a práticas alimentares saudáveis no âmbito individual e coletivo, o que é louvável, o Guia também introduziu definições e termos que mais confundem do que educam o consumidor, notadamente em seu Capítulo 2.

Definições de alimentos processados

Food and Agriculture Organization - FAO [4] define o processamento de alimentos como qualquer modificação a qual o alimento é submetido para alterar sua qualidade sensorial ou vida de prateleira, envolvendo a aplicação da ciência e da tecnologia para preservar a qualidade, diversificar os produtos para atender aos consumidores com diferentes etnias e necessidades nutricionais, além de reduzir desperdícios. Os alimentos processados são definidos pelo United States Department of Agriculture  - USDA [5] como qualquer matéria-prima submetida a uma série de operações unitárias (limpeza, corte, moagem, aquecimento, resfriamento, acondicionamento etc) que modificam o alimento em relação seu estado natural. Sob a ótica do European Food Information Council - EUFIC [6], o processamento consiste em qualquer método empregado para transformar o alimento fresco em um produto alimentício, envolvendo uma ou mais etapas. Inclui-se a adição de componentes ao alimento para estender a vida de prateleira, ou adição de vitaminas e minerais para incrementar a qualidade nutricional do alimento. As principais operações unitárias da Indústria de Alimentos estão descritas no artigo “Feeding the World Today and Tomorrow: The Importance of Food Science and Technology” [2].

Outro conceito que se destaca é o de alimentos minimamente processados. Verifica-se na obra Minimally Processed Foods [7] que esta definição está vinculada à preservação de alimentos segundo o princípio de “o mínimo de tratamento possível, mas o tanto quanto necessário”, ou seja, o processamento mínimo de alimentos inclui uma série de tecnologias, principalmente não térmicas, que são aplicadas em níveis subletais para micro-organismos, auxiliando na retenção da qualidade nutricional e sensorial, e garantindo a segurança do produto. Os alimentos minimamente processados são definidos pelo USDA como aqueles que retêm a maior parte de suas propriedades físicas, químicas, sensoriais e nutricionais. Muitas outras definições e descrições de processamento e alimentos processados foram publicadas por Jones [3].


Objetivo

Propõe-se no presente texto uma análise crítica, à luz da Engenharia e Ciência de Alimentos, do sistema de classificação NOVA que consta do capítulo 2 da 2ª edição do Guia Alimentar para a População Brasileira publicado pelo Ministério da Saúde no ano de 2014 [8]. Trechos do Guia foram citados para dinamizar e facilitar a compreensão desta análise, que tem o seu foco centrado na classificação dos alimentos em diferentes categorias, cujas nomenclaturas são colocadas em discussão.
O Guia Alimentar é composto por cinco capítulos, a citar:

Capítulo 1 – Princípios
Capítulo 2 – A escolha dos alimentos
Capítulo 3 – Dos alimentos à refeição
Capítulo 4 – O ato de comer e a comensalidade
Capítulo 5 – A compreensão e a superação de obstáculos

O capítulo 2, objeto da presente análise, estabelece uma classificação denominada NOVA [8,9,10], de acordo com o tipo de processamento empregado na produção de alimentos, em quatro categorias: (1) Alimentos in natura ou minimamente processados; (2) Ingredientes culinários processados; (3) Alimentos processados; e (4) Alimentos “ultraprocessados”, um conceito embrionado no seio da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, em 2009 [11], e que evoluiu para essa classificação [10].


Análise

No contexto do Guia Alimentar, os alimentos da CATEGORIA 1 (Alimentos in natura ou minimamente processados) incluem produtos que não envolvem a agregação de sal, açúcar, óleos, gorduras ou outras substâncias ao alimento original. Entre os exemplos citados figuram leite pasteurizado, leite longa vida (ultra high temperature - UHT), leite em pó, sucos de fruta, frutas secas etc.

Dentre os exemplos mencionados no Guia, nenhum representa alimento in natura; todos são processados aplicando-se mais de uma operação unitária. A título de exemplo, leite pasteurizado, leite longa vida, leite em pó e sucos de fruta pasteurizados são submetidos a tratamentos térmicos, cuja intensidade varia de 72 a 145 °C, e frutas secas são submetidas a tecnologias de desidratação. Portanto, todos os exemplos mencionados tratam-se de produtos processados, logo não são corretamente classificados no Guia Alimentar.

Os alimentos minimamente processados, disponíveis no mercado brasileiro, são predominantemente de origem vegetal, como frutas e hortaliças, submetidas a intervenções mínimas e brandas, majoritariamente de natureza física, como seleção, classificação, higienização, corte, fatiamento, centrifugação e acondicionamento, frequentemente em sistema de embalagem com atmosfera modificada (com diferentes composições de O2, CO2 e N2 otimizadas para cada espécie vegetal), proporcionando notável conveniência ao consumidor. O objetivo primordial do processamento mínimo é preservar o frescor da matéria-prima, que é mantida “viva”, ou seja, suas funções vitais são preservadas.

Dependendo das características da matéria-prima e do tempo de vida útil pretendido, métodos químicos podem ser empregados no processamento mínimo, a exemplo do tratamento do alimento com soluções contendo acidulantes, antioxidantes e antimicrobianos. Os vegetais submetidos a injúrias mecânicas, como ocorre no processamento mínimo (descascamento, corte etc), tendem a se deteriorar mais rapidamente comparado ao alimento na sua forma intacta/íntegra. Por esta razão, para que seja alcançado um tempo de vida de prateleira estendido e compatível com as expectativas do mercado, o emprego de métodos químicos de conservação muitas vezes é necessário. Dessa forma, os alimentos minimamente processados podem conter múltiplos ingredientes e aditivos, contrastando com as alegações do Guia Alimentar segundo às quais não há agregação de outras substâncias ao alimento minimamente processado. Posto isto, os exemplos incorporados ao Guia foram inapropriada e equivocadamente apresentados à população como minimamente processados.

Ainda nesta categoria, segundo o Guia Alimentar, os alimentos de origem animal reúnem características que podem favorecer o risco de obesidade, doenças do coração e outras doenças crônicas. Esta informação confunde o consumidor, desencorajando o consumo de alimentos daquela fonte. Entretanto, alimentos como leite, ovos, mel, carne e pescado exercem uma importância notável para a saúde humana.


Na CATEGORIA 2 (Ingredientes culinários processados), o Guia Alimentar recomenda o uso de óleos, gorduras, sal e açúcar em pequenas quantidades, e reconhece sua importância para o incremento sensorial de preparações culinárias. O Guia destaca que o consumo excessivo desses ingredientes conduz ao desenvolvimento de problemas de saúde.

Esta questão é realmente indiscutível e deve ser abordada por meio de campanhas educativas. Entretanto, é preocupante o fato de que os óleos e gorduras estejam associados a fatores negativos para a saúde, sem maior contextualização. Este grupo de alimentos é fonte de ácidos graxos essenciais e exerce papel fundamental no transporte e na absorção de vitaminas lipossolúveis e na síntese de hormônios, por exemplo. Apesar de seu uso excessivo conduzir ao aumento no consumo de calorias, os benefícios de um grupo de alimentos (balanceados) tão relevante para a saúde humana deveriam ser realçados.

 
Na CATEGORIA 3 (Alimentos processados), o Guia Alimentar apresenta como exemplos hortaliças preservadas em salmoura e vinagre, frutas em calda, produtos cárneos e pescado enlatado, pão francês, etc. Os alimentos processados são definidos pelo Guia como aqueles fabricados pela indústria essencialmente com adição de sal, ou açúcar, ou outra substância de uso culinário, a alimentos in natura para torná-los duráveis e mais agradáveis ao paladar, e seu consumo deve ser limitado.

Nem todos os alimentos processados, como sucos integrais de frutas e hortaliças, leite pasteurizado ou longa vida, são adicionados de açúcar e/ou sal. Portanto, a recomendação de “consumo limitado” parece alarmante e descuidada. Além disso, deve-se salientar que a Indústria Brasileira de Alimentos tem gradativamente reduzido os níveis de sal e açúcar em alimentos processados. Neste contexto, questiona-se se o consumo excessivo de sal e açúcar advém do que é incorporado aos alimentos industrializados ou do uso doméstico abusivo. Souza e colaboradores [12] publicaram resultados de pesquisa demonstrando que a redução de sódio em alimentos industrializados exerce pequeno impacto no consumo médio de sódio no Brasil. De fato, grande parte do sal consumido pelos brasileiros vem da adição do sal de cozinha aos alimentos, no preparo e no consumo [13]. O mesmo se aplica ao açúcar. 


O Guia Alimentar declara que os ingredientes e métodos usados na fabricação de alimentos processados “alteram de modo desfavorável a composição nutricional dos alimentos dos quais derivam”. Ao contrário do que se alega, a industrialização não torna os alimentos pouco nutritivos. A Engenharia e a Ciência de Alimentos reconhecem que dependendo da natureza do alimento, da intensidade e da tecnologia de processamento empregada, eventuais danos colaterais à qualidade do produto podem ocorrer. Contudo, os seus nutrientes ainda são substancialmente preservados durante o processamento, especialmente quando métodos não térmicos de estabilização são empregados. O processamento em escala doméstica, muitas vezes é mais drástico, e exerce um impacto significativamente mais negativo no valor nutricional do alimento comparado ao processo em escala industrial.

O Guia também informa que “o objetivo do processamento industrial é aumentar a duração dos alimentos e frequentemente torná-los mais agradáveis ao paladar”. Os objetivos do processamento transcendem sobremaneira àqueles citados no Guia Alimentar. O processamento de alimentos proporciona segurança ao consumidor, por meio da destruição ou redução de agentes potencialmente patogênicos a níveis seguros, preserva sua qualidade funcional, nutricional e sensorial por meio da inativação de enzimas e micro-organismos deteriorantes, oferece conveniência, praticidade, aumenta a digestibilidade, inativa fatores antinutricionais, permite o abastecimento seguro e regular do mercado consumidor em períodos de entressafra e intempéries, reduz desperdícios, garante a extensão do consumo a regiões remotas, reduz custos de transporte, diversifica e agrega valor ao produto, dentre outros.

Na CATEGORIA 4 (Alimentos “ultraprocessados”), o Guia Alimentar cita como exemplos biscoitos recheados e salgadinhos de pacote, refrigerantes, macarrão instantâneo, sorvetes, barras de cereais, bebidas energéticas, etc, “cujo consumo deve ser evitado” [8]. Os alimentos “ultraprocessados” foram definidos como formulações de baixo custo, com grande apelo sensorial e comercial, acondicionadas em embalagens sofisticadas, para “seduzir” o consumidor, envolvendo diversas etapas e técnicas de processamento e muitos ingredientes, incluindo sal, açúcar, óleos e gorduras e substâncias de uso exclusivamente industrial [8]. Segundo a categoria em discussão, uma forma prática de distinguir alimentos “ultraprocessados” é consultar a lista de ingredientes. “Um número elevado de ingredientes (frequentemente cinco ou mais) e sobretudo a presença de ingredientes com nomes pouco familiares indicam que o produto pertence à categoria de alimentos “ultraprocessados” [8].


Relativamente a esta categoria, destaca-se que a proposição do conceito de “ultraprocessados” não é reconhecida e tampouco encontra respaldo na Engenharia e Ciência de Alimentos [1]. Considera-se um equívoco relacionar o prefixo “ultra” com o número de ingredientes que compõem o produto final. O produto alimentício pode ser minimamente processado ou ter sido processado moderadamente e conter múltiplos ingredientes (cinco ou mais), como sucos mistos de frutas e hortaliças, saladas e vitaminas de frutas, mix de sementes comestíveis e cereais integrais, alimentos infantis (baby foods), entre outros. Evitar o consumo de alguns desses alimentos, como pão integral ou enriquecido, cereais, leites especiais poderia implicar na diminuição da ingestão de folato, cálcio e fibra alimentar [3]. Alguns estudos também mostram que nem todos os alimentos nessas categorias são escolhas nutricionais incorretas [8]. À luz da Engenharia e Ciência de Alimentos, o prefixo “ultra” remete à intensidade de um determinado tratamento empregado na conservação dos alimentos e não à sua composição. Neste contexto, alguma coerência seria encontrada se produtos como leite longa vida (UHT) fossem eventualmente classificados como “ultraprocessados”, uma vez que a temperatura empregada no seu processamento é elevada (~145 ºC/3-5 s).


Outra questão a ser esclarecida é que as classes de aditivos (emulsificantes, antioxidantes, acidulantes, conservadores etc) incorporados aos alimentos industrializados desempenham funções tecnológicas. Os compostos empregados como aditivos alimentares (muitos deles provenientes de outras fontes alimentícias) são submetidos a rigorosas investigações toxicológicas, coordenadas por agências de alta credibilidade internacional, como a Joint Expert Committee on Food Additives (JECFA) que assessora o Codex Alimentarius. As recomendações dos referidos comitês internacionais norteiam a elaboração das diretrizes fixadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que regulamenta o uso dos aditivos alimentares no Brasil. Portanto, os aditivos, nos níveis empregados pela indústria de alimentos, são seguros para o fim o pretendido. Ademais, os aditivos, assim como suas concentrações aprovadas pelos órgãos competentes, são periodicamente reavaliados em consonância com os avanços da Ciência. Frequentemente, a incorporação de aditivos aos alimentos industrializados é justificada pela necessidade da padronização da qualidade do produto final. A composição das matérias-primas alimentares é muito variável, fato que impõe grande desafio ao processador no que tange à manutenção do padrão de qualidade do produto final. Ademais, a incorporação de aditivos aos alimentos está, algumas vezes, fundamentada em razões que remetem à segurança microbiológica do produto, a exemplo do emprego de ácido cítrico em conservas de palmito. Nesta aplicação, a acidificação da conserva vegetal previne a germinação de endosporos de Clostridium botulinum e a consequente produção da letal neurotoxina botulínica, além de permitir que a esterilidade comercial do produto seja alcançada aplicando-se um tratamento térmico mais brando (< 100 ºC) uma vez que o pH final de equilíbrio da conserva é inferior a 4,5.


Assim como os autores desta análise, Carretero et al. [1] e Jones [3] contestam os conceitos e os critérios adotados no sistema de classificação NOVA. Para Carretero et al. [1] é um erro associar os “ultraprocessados” à baixa qualidade nutricional, uma vez que esta depende não apenas da intensidade e complexidade do processo, mas também da composição do alimento. Ademais, definir um alimento com base no impacto de sua embalagem sobre a escolha do consumidor envolve critérios e estratégias de marketing, e não tecnológicas. Jones [3] declara que a classificação NOVA demonstra limitada congruência em relação a definição e a categorização naquela proposta, e aponta um conjunto de inconsistências, argumentando que ao invés de rotular alimentos como processados e/ou “ultraprocessados”, a recomendação para reduzir o consumo de alimentos com deficiência nutricional e pouco saudáveis seria mais útil e apropriada. A autora acrescenta que análises de bancos de dados de ingestão de alimentos usando a classificação NOVA mostram que as dietas ricas em “ultraprocessados” têm menor densidade de nutrientes e mais açúcares adicionados, indicando que o problema é a composição e não o grau de processamento, concluindo, portanto, que a NOVA é incongruente com as definições legais e com a Ciência de Alimentos. 


Reflexões finais

Os autores deste texto também incentivam práticas alimentares saudáveis, com dietas ricas em fibras (frutas, hortaliças e cereais integrais), e a ingestão de produtos alimentícios com baixo teor de sal e açúcar. Sempre que possível, recomenda-se o preparo dos próprios alimentos, o consumo de produtos orgânicos - industrializados ou não - advindos de produtores locais, bem como o consumo restrito de produtos indulgentes que, de maneira geral, são muito calóricos e pouco nutritivos. Todavia, o consumidor precisa ser corretamente informado de que saudabilidade não tem correlação com número de ingredientes, com intensidade ou número de processos e tampouco com o fato do alimento ter sido processado em sua cozinha ou na planta de uma grande indústria. Além de prover nutrientes e componentes funcionais, os alimentos in natura ou processados devem proporcionar prazer e alegria. Esta premissa nos conduz a seguinte indagação: O consumo ocasional e esporádico de produtos alimentícios que não promovem necessariamente a saúde humana, como burgers, refrigerantes, milk shakeshot dogs, pizzas etc, trariam de fato consequências deletérias ao bem-estar e a longevidade, como sugere o Guia Alimentar?

Conflito de interesse

Os autores declaram que não possuem conflito de interesse e que elaboraram esta análise por vontade própria. Todos os autores são Engenheiros de Alimentos, Professores da Universidade de São Paulo (USP) com Dedicação Integral à Docência e Pesquisa (RDIDP).


Referências bibliográficas

1. Carretero, C. et al. Food classification report: The concept "ultra-processed", Triptolemos Foundation, Spain, 2020.
2. Floros, D. et al. Feeding the World Today and Tomorrow: The Importance of Food Science and Technology - An IFT Scientific Review. Comprehensive Reviews in Food Science and Food Safety, 9, 572-599, 2010.
3. Jones, J.M. Food processing: criteria for dietary guidance and public health?. Proceedings of the Nutrition Society, 78, 4–18, 2019.
4. Peter Fellows. Processed foods for improved livelihoods. 2004. Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO). Disponível em: http://www.fao.org/3/y5113e/y5113e00.htm#Contents. Acesso em: 22 ago. 2020.
5. United States Department of Agriculture (USDA). Processed foods are excluded from COOL requirements. How is a processed food defined? Disponível em: https://www.ams.usda.gov/sites/default/files/media/FAQs%20for%20Consumers%20-%20English.pdf. Acesso em: 22 ago. 2020.
6. European Food Information Council (EUFIC). Processed Food: What Is the Purpose of Food Processing? Disponível em: https://www.eufic.org/en/food-production/article/processed-food-qa. Acesso em: 22 ago. 2020.
7. Alzamora, S.M. et al. Minimally Processed Foods. In: Encyclopedia of Food and Health, Eds: Caballero, B., Finglas, P.M., Toldrá, F. Academic Press, Oxford, UK, 2016.
8. Guia Alimentar para a população brasileira. Ministério da Saúde. 2 ed. Brasilia, 2014
9. Monteiro, C.A. et al. Ultra-processed foods, diet quality, and health using the NOVA classification system. Food and Agriculture Organization of the United Nations, Rome, 2019.
10. Monteiro, C.A. et al. The UN Decade of Nutrition, the NOVA food classification and the trouble with ultra-processing. Public Health Nutrition: 21(1), 5–17, 2017.
11. Monteiro, C.A. Nutrition and health. The issue is not food, nor nutrients, so much as processing. Public Health Nutrition: 12(5), 729–731, 2009.
12. Souza, A. M. et al. The impact of the reduction of sodium content in processed foods in salt intake in Brazil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 32, e00064615, 2016.
13. Tiné, L. Brasileiro consome muito sal, mas não tem consciência da quantidade excessiva. Blog da Saúde - Ministério da Saúde, 11/03/2020 (http://www.blog.saude.gov.br/index.php/promocao-da-saude/54101-brasileiro-consume-muito-sal-mas-nao-....

Compartilhar